sábado, 31 de julho de 2010

O Seu Madruga da vida real




Ele nunca recebeu mais de um salário mínimo a vida toda, mas o Seu Madruga da vida real foi capaz de me dar o mundo inteiro.
Como a minha mãe trabalhava durante o dia e ele à noite, eu passava a maior parte do tempo na companhia dele. Isso fez com que ele se tornasse o meu melhor amigo na infância.

Ele cuidou de mim como se eu fosse seu bem mais valioso. E eu era mesmo! " Fi, Mofi e I" (isso, a nona letra do alfabeto) são os nomes que ele me chama, além do "Dipa", que é a abreviação de "de pai véi", graças à música do Martinho da Vila É devagar devagarinho que meu genitor canta no mesmo ritmo.
Não tenho vergonha alguma de contar essas bobagens, pois quando ele me chama pelo nome está com raiva. Os apelidos sinalizam afetividade e até mesmo interesse. " Fi, pega uma telha ali pra mim", como já fez, logo depois de uma das nossas brigas.

Por eu ser filha única, a frase que mais ouço é "Bom que é tudo só pra você." O povo esquece que sou filha de pai pobre! Deixe estar... talvez sendo filha de rico eu não teria tantas coisas como tenho sendo filha do  Seu Madruga da vida real.
Faltava dinheiro, mas sobrava ideia na cabeça dele. Era tudo improvisado. A casa da Barbie que eu sempre quis ter, eu tive. Ele cortou uns compensados velhos que estavam no quintal e fez cadeiras, mesa, berço. A casinha era tão genérica quanto a Barbie "do Paraguai" que ele colou os sapatos nos pés dela com Super Bonder para eu não chorar mais por perdê-los.

Todos as manhãs íamos à padaria. Na volta, ele tirava um pão e a gente ia beliscando até chegar em casa. Depois do almoço, a gente deitava na sala para ver o Chaves. Foi com o Seu Madruga da vida real que comecei a a gostar do seriado. Aliás, não só do seriado, mas de inúmeras outras coisas.

A mesinha em que eu aprendi a comer sozinha foi uma junção de um quadro de Jesus Cristo e um caixote de uva que foi pintado. A mesma mesinha se tornou uma lousa em que ele me ensinou a identificar as letras e os números, escrevendo com giz. Meu pai foi meu primeiro professor! Também me falou sobre os " PRE-RI-GOS" da vida, do mesmo jeito que aconteceu com o personagem de Ramón Valdez no seriado. 

Falando em " PRE-RI-GOS", meu pai me livrou de um. Muito inteligente que eu era, acendi o palito de fósforo em cima da cama. Resultado: quase coloquei fogo na casa inteira, enquanto ele tirava um cochilo debaixo do pé de manga. Comecei a gritar " Ogo, pai! Ogo! Ele foi lá com a lata de tinta cheia d'água para apagar o fogo. Eu tinha 2 anos quando isso aconteceu.
Era nessa época que ele permitia que eu mesma pudesse retirar da árvore da igreja da pracinha a minha flor preferida da infância: flor de quaresmeira. Eu adorava! Me colocava em seus ombros pra eu mesma fazer isso.
Passo em frente à mesma quaresmeira todos os dias de manhã. Penso em descer do carro e pegar uma flor e levar pra ver se ele se lembra tanto como eu desse fato.

Ele iniciou em mim o gosto pela leitura. Sem que eu ainda soubesse ler, comprava gibis da Mônica, mas foi numa revista da Barbie que eu li minha primeira palavra. Daí não parei mais.
Ao contrário do Seu Madruga da tv, o da vida real sempre foi muito trabalhador e se empenhou bastante para nos tirar do aluguel, além de que ele também nunca ficou devendo 14 meses! A prova do esforço foi a nossa casa que ele comprou. Como ela era muito pequena (2 cômodos), precisamos ampliá-la. Então, evitando pagar aluguel, ele fez uma casa de lona preta no fundo do quintal. A nossa varanda era a imensa parreira de maracujá.

Para irmos à casa da minha avó, ele me carregava no carrinho de mão para que eu não me cansar, pois era longe para eu andar a pé e para ele me carregar no colo . Ficava bom para ambos. O carrinho de mão, mais tarde, virou a piscina que ele não pôde comprar.
Sabadão de sol... ele enchia o carrinho com água, eu vestia um maiô da Xuxa e ficava lá até enrugar os dedos! Foi uma maneira que o Seu Madruga da vida real encontrou para me ver contente e não desperdiçar 1000 litros de água.

Quando eu quis ter uma bicicleta ( Caloi Ceci ou Brisa Monark de cestinha rosa), eu pedi.
Ele saiu com a minha mãe para comprar a tal bicicleta e chegou sem. O dinheiro não deu pra comprar. Choreeeeeei!!! Mas ele foi numa oficina de bicicletas e trouxe uma Monark azul quadradona, que deve ter sido "a bicicleta" em 1900 e poucos! Chorei mais ainda! não queria aquela bicicleta feiosa. Acabei gostando dela com o passar do tempo, assim como o guarda-chuva preto do Tom e Jerry que ele comprou pra mim quando eu quis um guarda-chuva colorido.

Talvez não tenha ficado bem esclarecido a relação do Seu Madruga da tv com o da vida real. Afinal, são 21 anos de história. Fiz questão de ressaltar as coisas mais simples, os improvisos e os esforços que o Seu Madruga da vida real fez para que eu pudesse ser a filha mais feliz do mundo. Conseguiu! Penso que não teria sido tanto se eu fosse filha de outra pessoa. 

Até "violar tocão"... Foi ele quem me ensinou a fazer os primeiros acordes.
Pai, sem palavras eu fico para dizer o quanto você representa para mim e que você é o verdadeiro homem da minha vida.
Eu te amo!


"Meu pai me disse que a vida
Não tem nada de marcada
E que o destino não é nada
Levando a gente na vida
E toda vez que eu paro e olho
Pra esse velho companheiro
Vejo quem deu pra essas paredes
Essa cara de família
Deixa eu ver a mão machucada
Te levanta, deixa essa cama
Estou tão triste, quero falar-te
Fica calmo filho, não chora!

E não sabem dar valor pra essas coisas...
Ter um lar é um tesouro!"

Fábio de Melo



4 comentários:

  1. Esse e um lindo fato da vida real!! Seu pai de fato e seu heroi..um homem simples q eu tive o prazer de conhecer,mas cheio de garra e coragem,e e vendo vc que a gente sabe ue dele vc herdou muita coisa!!!bjs

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  2. Liiindoo! Estou emocionada! Parabéns por tudo que seu pai significa para você, por tudo que você é e pela capacidade de escrever com tanta sensibilidade!!!

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  3. Suadão é mara. Snif, snif... curta muito sôpai taísse. O pouco que tive o meu, tenho algumas boas lembranças.

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